Tomas Tranströmer é o Prémio Nobel da Literatura 2011

Tomas Tranströmer (Andrei Romanenko/Wikimedia Commons)

Quatro poemas que o blog “Poesia & Lda.” publicou. Ver aqui

TOMAS TRANSTRÖMER nasceu em Estocolmo, em 1931. É o poeta sueco mais traduzido em todo o mundo. «O meu pão diário é Quatro Quartetos de T. S. Eliot, que mastigo deliciosamente entre os dentes», afirmou um dia. Na sua poesia, plena de imagens que aludem ao mar e ao longínquo norte – imagens por vezes fantásticas, de inspiração post-surrealista – é perceptível o forte apelo que a natureza tradicionalmente exerce sobre a escrita dos poetas escandinavos. Tranströmer vive presentemente numa ilha, longe dos olhares do mundo e dos meios de comunicação social; anteriormente havia sido psicólogo, particularmente dedicado à readaptação de delinquentes juvenis. Em 1990 sofreu um acidente vascular cerebral que o deixou em parte afásico e hemiplégico. Continuou, porém, a escrever tendo publicado mais três obras. Os poemas que se seguem são versões do castelhano, seleccionadas do livro “Para vivos y muertos” (tradução do sueco de Roberto Mascaro e Francisco Uriz), editado pela colecção de poesia Hiperión (Madrid, 1992). Segundo Louise Von Bergen que assina o prefácio desta obra, na «escrita de Tranströmer há um equilíbrio controlado entre o fantástico e o exacto, entre a liberdade e a consequência lógica». Eis quatro poemas, com a devida vénia.

HISTÓRIAS DE MARINHEIROS

Há dias de inverno sem neve em que o mar é parente
de zonas montanhosas, encolhido sob plumagem cinza,
azul só por um minuto, longas horas com ondas quais pálidos
linces, buscando em vão sustento nas pedras de à beira-mar.

Em dias como estes saem do mar restos de naufrágios em busca
de seus proprietários, sentados no bulício da cidade, e afogadas
tripulações vêm a terra, más ténues que fumo de cachimbo.

(No Norte andam os verdadeiros linces, com garras afiadas
e olhos sonhadores. No Norte, onde o dia
vive numa mina, de dia e de noite.

Ali, onde o único sobrevivente pode estar
junto ao forno da Aurora Boreal escutando
a música dos mortos de frio).

(1954)

A ÁRVORE E A NUVEM

Uma árvore anda de aqui para ali sob a chuva,
com pressa, ante nós, derramando-se na cinza.
Leva um recado. Da chuva arranca vida
como um melro ante um jardim de fruta.

Quando a chuva cessa, detém-se a árvore.
Vislumbramo-la direita, quieta em noites claras,
à espera, como nós, do instante
em que flocos de neve floresçam no espaço.

(1962)

DESDE A MONTANHA

Estou na montanha e vejo a enseada.
Os barcos descansam sobre a superfície do verão.
«Somos sonâmbulos. Luas vagabundas.»
Isso dizem as velas brancas.

«Deslizamos por uma casa adormecida.
Abrimos as portas lentamente.
Assomamo-nos à liberdade.»
Isso dizem as velas brancas.

Um dia vi navegar os desejos do mundo.
Todos, no mesmo rumo – uma só frota.
«Agora estamos dispersos. Séquito de ninguém.»
Isso dizem as velas brancas.

(1962)

PÁSSAROS MATINAIS

Desperto o automóvel
que tem o pára-brisas coberto de pólen.
Coloco os óculos de sol.
O canto dos pássaros escurece.

Enquanto isso outro homem compra um diário
na estação de comboio
junto a um grande vagão de carga
completamente vermelho de ferrugem
que cintila ao sol.

Não há vazios por aqui.

Cruza o calor da primavera um corredor frio
por onde alguém entra depressa
e conta que como foi caluniado
até na Direcção.

Por uma parte de trás da paisagem
chega a gralha
negra e branca. Pássaro agoirento.
E o melro que se move em todas as direcções
até que tudo seja um desenho a carvão,
salvo a roupa branca na corda de estender:
um coro da Palestina:

Não há vazios por aqui.

É fantástico sentir como cresce o meu poema
enquanto me vou encolhendo
Cresce, ocupa o meu lugar.

Desloca-me.
Expulsa-me do ninho.
O poema está pronto.

(1966)

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